Você abre seu home broker e, invariavelmente, dá de cara com ele: o ranking de “ações mais negociadas” ou “maior volume” do dia. E, quase sempre, os nomes são os mesmos: Vale, Petrobras, Itaú, Bradesco…
A primeira reação do investidor iniciante é pensar: “Se está todo mundo negociando isso, deve ser a melhor coisa para comprar!”. Mas será mesmo?
O que esse ranking realmente significa? Ele é uma lista de recomendações de compra disfarçada? Ou ele conta uma história completamente diferente?
A verdade é que esse ranking não é um cardápio de investimentos, mas sim um termômetro da atenção do mercado. O volume de negociação é uma das métricas mais cruciais e, ao mesmo tempo, mais mal compreendidas.
Neste guia completo, vamos mergulhar fundo no “clube das mais negociadas”. Vamos apresentar a lista, explicar o que é a liquidez, por que ela é a rainha do mercado, por que certos “suspeitos usuais” sempre aparecem, e como você, investidor leigo, deve usar essa informação para tomar decisões mais inteligentes e seguras.
O Que Realmente Significa “Ação Mais Negociada”? (Desvendando a Liquidez)
Antes da lista, precisamos entender o conceito mais importante da bolsa: liquidez.
Em termos simples, liquidez é a facilidade e a rapidez com que você pode converter um ativo (como uma ação) em dinheiro vivo, sem que isso afete seu preço.
Para o público leigo, a melhor analogia é do mundo real:
- Ativo de Alta Liquidez: Uma nota de R$ 100. Você pode “vender” (trocar) essa nota em qualquer padaria, a qualquer hora, pelo seu valor total de R$ 100. A liquidez é instantânea.
- Ativo de Baixa Liquidez: Um terreno em uma área rural. Você pode ser “dono” de um patrimônio de R$ 100.000, mas se precisar do dinheiro amanhã, você não consegue. Terá que anunciar, esperar meses, negociar um desconto… Você pode até ter que vender por R$ 80.000 para acelerar o processo (uma “perda” de 20% no preço).
No mercado de ações, é idêntico.
Uma ação com alta liquidez (como PETR4) tem milhões de ordens de compra e venda a cada segundo. Se você quiser vender 1.000 ações, aperta um botão e a venda é executada instantaneamente pelo preço justo de mercado (R$ 0,01 de diferença entre compra e venda).
Uma ação com baixa liquidez (uma “small cap” desconhecida, ou uma ação “Mico”) pode ter poucas ordens. Se quiser vender, pode não haver um comprador interessado. Você pode ter que “baixar o preço” em 5% ou 10% para atrair alguém, ou sua ordem pode ficar “empacada” por dias.
Portanto, “as ações mais negociadas” são, na verdade, “as ações com maior liquidez” da bolsa. Elas são o dinheiro “quase instantâneo” do mercado de renda variável.
A Tabela: As 10 Ações Mais Negociadas da B3
Cumprindo o prometido, aqui está uma tabela que reflete o comportamento de negociação da B3. É fundamental entender que esta lista muda diariamente.
A tabela abaixo é um exemplo representativo baseado nos dados de volume financeiro médio negociado em períodos recentes. O ranking exato pode flutuar, mas as empresas que o compõem raramente mudam.
| Posição no Ranking | Código (Ticker) | Empresa | Setor de Atuação |
| 1 | PETR4 | Petrobras (PN) | Petróleo e Gás |
| 2 | VALE3 | Vale (ON) | Mineração e Siderurgia |
| 3 | ITUB4 | Itaú Unibanco (PN) | Financeiro (Bancos) |
| 4 | BOVA11 | iShares Ibovespa (ETF) | Fundo de Índice (Bolsa) |
| 5 | BBDC4 | Bradesco (PN) | Financeiro (Bancos) |
| 6 | B3SA3 | B3 – Brasil, Bolsa, Balcão | Serviços Financeiros |
| 7 | BBAS3 | Banco do Brasil (ON) | Financeiro (Bancos) |
| 8 | ELET3 | Eletrobras (ON) | Energia Elétrica |
| 9 | RENT3 | Localiza (ON) | Aluguel de Veículos |
| 10 | WEGE3 | WEG (ON) | Bens de Capital / Industrial |
PN = Ação Preferencial (foco em dividendos) | ON = Ação Ordinária (foco em voto)
Analisando a Tabela: Por Que Essas Ações? Os “Suspeitos Usuais” do Top 10
Esta lista não é aleatória. Ela é um retrato da economia brasileira e da estrutura do mercado de capitais. O que não muda são os grupos de empresas que sempre dominam as negociações.
1. As Gigantes de Commodities (VALE3 e PETR4)
Não é surpresa que Vale e Petrobras disputem o primeiro lugar. Elas são as “proxies” do Brasil para o mundo.
- Investidores Estrangeiros: Quando um fundo de Nova York ou Londres quer “investir no Brasil”, ele não compra uma varejista pequena. Ele compra Vale e Petrobras, que são empresas de classe mundial.
- Preços Globais: O preço delas é diretamente influenciado pela cotação internacional do minério de ferro (Vale) e do petróleo (Petrobras), além do dólar. Isso gera um volume de negociação (e especulação) absurdo, 24 horas por dia.
2. Os “Bancões” (ITUB4, BBDC4, BBAS3)
Itaú, Bradesco e Banco do Brasil são o “sistema circulatório” da economia.
- Lucratividade: São algumas das empresas mais lucrativas do país. Se a economia vai bem, eles lucram com empréstimos. Se a economia vai mal, eles lucram com taxas e juros.
- Dividendos: São historicamente grandes pagadoras de dividendos, o que atrai um fluxo constante de investidores focados em renda.
- Estabilidade: São vistos como pilares sólidos do mercado (grandes demais para quebrar), o que atrai investidores mais conservadores.
3. A Própria Bolsa (B3SA3)
A B3SA3 é a ação da “casa”. É uma aposta na própria bolsa de valores.
- O “Pedágio”: A B3 ganha dinheiro com cada transação (emolumentos e taxas). Se o mercado está em euforia, com alto volume (como em 2021), a B3 lucra horrores. Se o mercado está em pânico, com todos vendendo, ela também lucra. Ela ganha na volatilidade. Investir nela é como ser dono do cassino.
4. O Atalho: ETFs (BOVA11)
Este é o “intruso” que não é uma ação, mas um ETF (Fundo de Índice).
- O que é: O BOVA11 é um fundo que replica a carteira do Ibovespa. Em vez de comprar Vale, Itaú, Petro, etc., separadamente, você pode comprar “uma cesta” de tudo com uma única cota de BOVA11.
- Por que é tão negociado? É a forma mais simples e barata de diversificar. Muitos grandes fundos e investidores (incluindo robôs de alta frequência) usam ETFs para se expor ou proteger suas carteiras rapidamente, gerando um volume gigantesco.
O “Fator Surpresa”: Quando Ações Inesperadas Entram na Lista
Às vezes, você verá nomes como Magazine Luiza (MGLU3), Oi (OIBR3) ou Americanas (AMER3) em períodos de crise, pulando para o topo das mais negociadas.
É aqui que o investidor leigo deve ter extremo cuidado.
“Mais negociada” nem sempre significa “melhor”. Muitas vezes, significa “mais especulada”.
- O Risco da Especulação (O Efeito “Meme”): Lembre-se do caso da GameStop nos EUA. Ações de empresas em recuperação judicial ou com altíssima volatilidade atraem especuladores. O volume explode não porque a empresa é sólida, mas porque milhares de pessoas estão apostando na “virada” ou no “pulo do gato”, comprando e vendendo no mesmo dia.
- Volume de Notícia: Uma notícia bombástica (seja boa ou ruim) joga a ação no topo. Se a Americanas anuncia um novo plano de recuperação, o volume explode. Se a Petrobras anuncia uma nova política de dividendos, o volume explode.
Nesses casos, a alta liquidez não é um sinal de qualidade; é um sinal de volatilidade extrema e risco altíssimo.
Liquidez é Tudo? Vantagens e Desvantagens de Focar nas Mais Negociadas
Saber se uma ação tem liquidez é o primeiro filtro de segurança de um investidor. Mas focar apenas nisso tem prós e contras.
Vantagens (Por que o Mercado as Ama)
- Segurança na Saída (Risco Zero de Ficar “Preso”): Esta é a maior vantagem. Você nunca terá o problema de “querer vender e não ter comprador”. A qualquer segundo do pregão, você pode vender e ter seu dinheiro de volta.
- Preço Justo (Menor “Spread”): O “spread” é a diferença entre o melhor preço de compra e o melhor preço de venda. Em ações líquidas, essa diferença é de R$ 0,01. Em ações sem liquidez, pode ser de 5% ou 10% (você compra por R$ 10,00 e o melhor vendedor só aceita R$ 9,00).
- Transparência Total: Sendo as maiores, essas empresas são cobertas por dezenas de analistas. Você encontra relatórios, notícias e análises sobre o Itaú em qualquer lugar.
- Menor Risco de Manipulação: É quase impossível um único investidor “manipular” o preço da PETR4. São necessários bilhões de dólares. Em ações de baixa liquidez, um único investidor grande pode “derrubar” o preço facilmente.
Desvantagens (O Risco da Popularidade)
- Menor Potencial de “Pancada” (Crescimento Explosivo): A Vale vai dobrar de preço em um ano? É difícil. O Itaú vai multiplicar por 10? Improvável. Por serem empresas gigantes e maduras (“Blue Chips”), o potencial de crescimento explosivo é muito menor que o de uma “Small Cap” (empresa pequena) inovadora.
- Efeito Manada: Quando uma crise global acontece, todo mundo (especialmente os estrangeiros) corre para vender o quê? As ações mais líquidas. Elas são a porta de saída mais fácil, o que pode amplificar as quedas em momentos de pânico.
- Sem “Joias Escondidas”: Você não vai “descobrir” a Petrobras. Todo o mercado já analisa essa empresa de cima a baixo. A competição por informação é profissional.
Como um Investidor Leigo Deve Usar o Ranking de Volume?
O volume de negociação não é uma recomendação de compra. É uma ferramenta de confirmação e de gerenciamento de risco.
1. Use a Liquidez como seu Primeiro Filtro de Segurança
Para você, investidor iniciante, a regra deve ser clara: fique longe de ações com baixa liquidez (baixo volume).
Seu foco deve ser em aprender e construir patrimônio. Você não quer correr o risco de ficar “preso” em uma ação que não consegue vender, ou que perde 20% do valor só para encontrar um comprador. Começar pelas “Blue Chips” (o clube das mais negociadas) é o caminho mais seguro e sensato.
2. Use o Volume para Confirmar Tendências (Análise Técnica Básica)
O volume é o “combustível” do preço.
- Ação sobe + Volume sobe: Ótimo sinal. Mostra que muitos investidores estão interessados e “colocando dinheiro” na alta. A tendência é forte.
- Ação sobe + Volume cai: Sinal de alerta. A ação está subindo “no vazio”, com pouco interesse. A tendência é fraca e pode reverter a qualquer momento.
- Ação cai + Volume sobe: Pânico! Mostra que muitos investidores estão correndo para a porta de saída. É um sinal de forte queda.
3. Nunca Use o Ranking como uma “Lista de Compras”
Repetindo: não é porque PETR4 foi a mais negociada hoje que você deve comprá-la. O volume de hoje pode ter sido, em sua maioria, de venda. O volume apenas mede a atividade, não a direção ou a qualidade.
O Que Fazer com a Lista das Mais Negociadas?
A lista das “10 ações mais negociadas” não é um cardápio de recomendações. É um termômetro da atenção do mercado.
Ela nos mostra quais empresas são os pilares da nossa economia (Vale, Petro, Bancos), quais são os instrumentos favoritos dos grandes fundos (ETFs) e, às vezes, qual é o “foco da febre” especulativa do momento.
Para o investidor leigo e de longo prazo, a lição é simples:
Comece pela liquidez. Use o fato de uma ação ser “a mais negociada” como um filtro inicial de segurança. Garanta que você está investindo em empresas onde pode entrar e sair com facilidade.
Mas depois desse filtro, seu trabalho de verdade começa: analisar os fundamentos. A empresa dá lucro? É bem gerenciada? Está em um setor de crescimento?
As ações mais negociadas são o “campo de jogo” principal. Mas só ter liquidez não ganha o campeonato.