O efeito dos juros altos/baixos sobre ações

O efeito dos juros altos/baixos sobre ações

Você já se perguntou por que, às vezes, as empresas apresentam bons resultados, mas as ações caem? Ou por que o mercado entra em euforia mesmo quando a economia real parece estar andando de lado? A resposta, quase sempre, está em uma única variável: a Taxa de Juros.

No mundo dos investimentos, existe uma força invisível comparável à gravidade. Quando ela aumenta, tudo tende a ficar mais pesado e difícil de subir. Quando ela diminui, os ativos ganham leveza para decolar. Essa força é a taxa básica de juros — no Brasil, a famosa Selic; nos Estados Unidos, os Fed Funds.

Para o investidor iniciante, a relação entre juros e bolsa de valores pode parecer complexa, mas é, na verdade, o conceito mais fundamental de todos. Entender essa dinâmica não apenas protege o seu patrimônio de quedas bruscas, como também permite que você identifique as maiores oportunidades de lucro da década.

Neste dossiê completo, vamos desmistificar a economia para que você entenda exatamente como posicionar sua carteira, seja em tempos de “vacas gordas” ou de aperto monetário.

O Que é a Taxa Básica de Juros e Qual Sua Função na Economia?

O Que é a Taxa Básica de Juros e Qual Sua Função na Economia?

Antes de falarmos sobre ações, precisamos entender o terreno onde estamos pisando. A Taxa Básica de Juros é o principal instrumento de política monetária de um país. Ela é definida pelo Banco Central (no Brasil, através do comitê chamado COPOM).

Pense na taxa de juros como o “custo do dinheiro” ou o “freio e acelerador” da economia:

  • Para combater a Inflação (Freio): Quando os preços dos produtos no supermercado sobem demais, o Banco Central aumenta os juros. O crédito fica caro, as pessoas compram menos, as empresas vendem menos e, por consequência, os preços param de subir.

  • Para estimular o Crescimento (Acelerador): Quando a economia está parada e o desemprego alto, o Banco Central baixa os juros. O crédito fica barato, as empresas investem em novas fábricas, as pessoas financiam casas e a economia volta a girar.

Mas como esse movimento de “freio e acelerador” atinge os seus investimentos na Bolsa de Valores (B3)? É o que veremos a seguir.

O Efeito Gravitacional: Por Que Juros Altos Derrubam a Bolsa?

Existe uma máxima no mercado financeiro dita pelo lendário investidor Warren Buffett: “As taxas de juros são para os preços dos ativos o que a gravidade é para a maçã. Quando as taxas de juros são baixas, há uma atração gravitacional muito pequena nos preços dos ativos. Mas quando as taxas sobem, a gravidade puxa tudo para baixo.”

Quando a taxa Selic sobe, três fenômenos acontecem simultaneamente para prejudicar o mercado de ações:

1. A Migração de Capital (Custo de Oportunidade)

Este é o fator mais imediato. Se a Renda Fixa (Tesouro Direto, CDBs, LCI) começa a pagar 12%, 13% ou 14% ao ano sem risco nenhum, por que um investidor correria o risco de comprar ações para tentar ganhar 15%?

Com juros altos, o investidor conservador tira o dinheiro da Bolsa e coloca na Renda Fixa. Essa venda em massa faz os preços das ações caírem. É a lei da oferta e da demanda.

2. O Encarecimento da Dívida Corporativa

Quase todas as grandes empresas operam com dívidas para financiar seu crescimento. Elas pegam empréstimos para construir fábricas, abrir lojas ou desenvolver tecnologias.

Essas dívidas geralmente são atreladas aos juros (CDI). Quando a Selic sobe, a despesa financeira da empresa dispara. O lucro que sobraria para o acionista é corroído pelo pagamento de juros bancários. Menos lucro significa dividendos menores e, consequentemente, ações menos valiosas.

3. A Queda no Consumo

Juros altos afetam o seu bolso. O financiamento do carro fica caro, a prestação da casa sobe, o limite do cartão de crédito se torna impagável.

Com o crédito restrito, a população consome menos. O varejo vende menos roupas, as construtoras vendem menos apartamentos, as concessionárias vendem menos carros. Com a receita das empresas caindo, o mercado antecipa o cenário ruim e as ações desvalorizam.

O Cenário de Euforia: Como os Juros Baixos Criam “Bull Markets”

Agora, vamos inverter o cenário. O que acontece quando o Banco Central corta os juros para patamares mínimos, como vimos no Brasil em 2020 (Selic a 2%) ou nos EUA por muitos anos?

A Caça pelo Rendimento (Yield)

Quando a Renda Fixa paga apenas 2% ao ano — o que muitas vezes perde para a inflação — o investidor se vê “obrigado” a tomar risco. Ele não tem escolha a não ser tirar o dinheiro da poupança ou do Tesouro e comprar ações ou Fundos Imobiliários (FIIs) em busca de retornos dignos.

Essa injeção massiva de dinheiro novo na Bolsa empurra os preços para cima, criando o que chamamos de Bull Market (Mercado de Alta).

Valuation Expandido

Além do fluxo de dinheiro, existe uma questão matemática. O valor justo de uma empresa é calculado trazendo todo o dinheiro que ela vai lucrar no futuro para o valor presente.

Sem entrar em fórmulas matemáticas complicadas (o tal Fluxo de Caixa Descontado), a regra é simples: quanto menor a taxa de juros usada para descontar esse dinheiro futuro, maior é o valor da empresa hoje. Portanto, em cenários de juros baixos, as ações valem “matematicamente” mais.

Setores Vencedores e Perdedores: Quem Sobrevive à Selic Alta?

Setores Vencedores e Perdedores: Quem Sobrevive à Selic Alta?

Aqui está o segredo que separa os amadores dos profissionais. Nem todas as ações caem com juros altos. Algumas, inclusive, se beneficiam. Saber fazer essa rotação de carteira é essencial.

Quem Sofre Mais com Juros Altos (Evitar ou Ter Cautela)

  • Varejo e Consumo (Magazine Luiza, Casas Bahia, Lojas Renner): Essas empresas dependem que o povo tenha crédito barato para comprar geladeiras, TVs e roupas parceladas. Juros altos travam o consumo e aumentam a inadimplência.

  • Tecnologia e Startups (Growth): Empresas de crescimento rápido que ainda não dão muito lucro, mas prometem lucros gigantescos daqui a 10 anos. Com juros altos, esse “lucro futuro” vale muito pouco hoje. Elas costumam despencar 50%, 70% em ciclos de alta.

  • Construção Civil: Ninguém compra apartamento à vista. O setor imobiliário depende visceralmente de financiamento habitacional barato.

Quem Se Protege ou Lucra com Juros Altos (Setores Defensivos)

  • Seguradoras (BB Seguridade, Porto Seguro, Caixa Seguridade): Esta é a clássica proteção. As seguradoras recebem os prêmios dos clientes antecipadamente e investem esse dinheiro em Renda Fixa até que precisem pagar algum sinistro. Se a Renda Fixa paga mais, o lucro financeiro delas explode.

  • Bancos: Embora a inadimplência possa subir, os bancos ganham mais com o “spread” (a diferença entre quanto eles pagam para captar dinheiro e quanto cobram para emprestar) em cenários de juros elevados.

  • Utilidade Pública (Energia e Saneamento): Você pode deixar de comprar uma TV nova, mas não deixará de pagar a conta de luz ou água. Essas empresas têm receitas previsíveis, reajustadas pela inflação, e sofrem menos com a economia parada.

O Fator Externo: Como os Juros nos EUA (Fed) Afetam o Brasil?

Você pode pensar: “Eu invisto no Brasil, o que me importa a taxa de juros nos Estados Unidos?”. A resposta é: Tudo.

O dólar é a moeda de reserva do mundo e os títulos do Tesouro Americano (Treasuries) são considerados o investimento mais seguro do planeta.

Quando o Banco Central Americano (Fed) sobe os juros por lá, acontece uma drenagem mundial de liquidez. O grande investidor global pensa: “Por que vou deixar meu dinheiro no Brasil, um país emergente e arriscado, se posso ganhar 5% ao ano em Dólar garantido pelo governo americano?”.

O resultado é a fuga de capitais (Dólares saindo do Brasil). Isso causa:

  1. Alta do Dólar: O Real se desvaloriza.

  2. Inflação Importada: Dólar alto encarece o pão (trigo), a gasolina (petróleo) e eletrônicos.

  3. Pressão na Selic: Para evitar que o Dólar suba demais, o Banco Central do Brasil é forçado a manter os juros brasileiros ainda mais altos para atrair o investidor de volta.

Portanto, para investir bem no Brasil, você precisa ficar de olho nas atas do Federal Reserve.

Fundos Imobiliários (FIIs): A Relação Sensível com os Juros

Os Fundos Imobiliários são os queridinhos do investidor pessoa física, mas eles sofrem muito com a abertura da curva de juros.

Muitos investidores comparam o rendimento mensal (Dividend Yield) do FII com a taxa do Tesouro IPCA+.

  • Se o Tesouro IPCA+ paga 6% de juro real (acima da inflação) garantido, o investidor exige que o FII de Tijolo pague pelo menos 8% ou 9% para compensar o risco.

  • Para que o rendimento do FII suba de 6% para 9% (sem o aluguel aumentar), o preço da cota precisa cair.

É por isso que, em ciclos de alta de juros, vemos as cotas dos FIIs “derreterem” no mercado secundário. Porém, para o investidor de longo prazo, este é o momento de compra. Você consegue comprar imóveis de alta qualidade com descontos de 20% ou 30% sobre o valor patrimonial, garantindo um Yield on Cost (retorno sobre o custo) fantástico para o futuro.

Estratégias Práticas: Como Investir em Cada Cenário?

Estratégias Práticas: Como Investir em Cada Cenário?

Não tente adivinhar o futuro. Tentar acertar exatamente quando os juros vão subir ou cair é impossível até para economistas renomados. A melhor estratégia é a Alocação de Ativos Dinâmica.

1. A Estratégia do Halteres (Barbell Strategy)

Consiste em ter os dois extremos na carteira para sobreviver a qualquer cenário:

  • Ponta Segura: Tenha uma boa parte em Renda Fixa Pós-fixada (que acompanha a Selic). Se os juros subirem, você ganha aqui.

  • Ponta Arriscada: Tenha ações de boas empresas e FIIs. Se os juros caírem, esses ativos explodem de valor.

2. Aporte Constante e Preço Médio

Se os juros subiram e as ações caíram, não se desespere vendendo tudo. Encare como uma “liquidação”. Se você compra boas empresas todos os meses, os períodos de juros altos servem para você acumular mais ações pagando menos. Quando o ciclo virar (e ele sempre vira), você terá uma quantidade enorme de ações que se valorizarão multiplicadamente.

3. Diversificação de Indexadores

Em sua carteira de Renda Fixa, não tenha apenas CDI.

  • Tenha CDI para aproveitar a alta imediata dos juros.

  • Tenha Pré-fixados para travar taxas altas quando a expectativa é de queda futura.

  • Tenha IPCA+ para se proteger caso a inflação saia do controle.

A Paciência é a Melhor Taxa de Retorno

A economia funciona em ciclos. Tivemos juros estratosféricos em 2015, mínimos históricos em 2020, e voltamos a subir depois. O investidor que se desespera e vende na baixa (quando os juros estão altos) transfere seu dinheiro para o investidor paciente que comprou dele.

Entender o efeito dos juros não deve servir para gerar medo, mas sim para gerar clareza.

  • Juros Altos: Hora de acumular, focar em empresas sólidas, geradoras de caixa e aproveitar a Renda Fixa para compor a reserva de oportunidade.

  • Juros Baixos: Hora de colher os frutos da valorização, mas ter cuidado com a euforia e empresas de baixa qualidade que sobem sem fundamento.

Ao dominar essa dinâmica, você deixa de ser um passageiro na montanha-russa do mercado e assume o controle do carrinho. Mantenha o foco no longo prazo, pois, independentemente da taxa Selic de hoje, boas empresas continuarão lucrando e crescendo ao longo das décadas.

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